I. RELAÇÃO CAMPO & TEORIA
A obra de Stuart Hall: “A identidade cultural na pós-modernidade”, nos apresenta uma reflexão sobre as mudanças estruturais que estão ocorrendo na modernidade tardia. Tais transformações, segundo o autor, estão propiciando a fragmentação ou descentramento das identidades culturais.
Para Stuart, o advento conhecido como globalização é um ponto fulcral que tem causado um grande impacto na transformação das identidades. Por globalização, Hall alude:
[...] àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado (HALL, 2006, p. 67).
À medida que os espaços se contraem transformando-se em centros globais interconectados, os indivíduos são afetados por uma multiplicidade de variantes culturais. São nessas circunstancias que emerge o fenômeno do descentramento do sujeito — a mudança do sujeito moderno unificado para o sujeito pós-moderno fragmentado.
Posto esses breves apontamentos, da daqui por diante, objetiva-se, a partir dos conceitos abordados, fazer uma breve análise de algumas obras de arte observadas no Ouvidor, a fim de compreender as identidades culturais do espaço visitado.
1.1. Expressionismo: A manifestação do mundo interior
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"Pela manifestação do mundo interior e com uma forma de expressá-la. Daí a importância da expressão, ou seja, a materialização, numa tela ou numa folha de papel, de imagens nascidas em nosso mundo interior, pouco importando os conceitos então vigentes de belo e feio (DE NÍCOLA, 1998, p.17)."
Desse modo, pode-se inferir que o sague que jorra dos olhos representa os sentimentos de extrema dor do homem retratado. É o mundo interior – o sofrimento, as dores, as angústias, as aflições do gênero humano. Sobretudo, levando em consideração o contexto de produção, pode-se inferir que as lagrimas figuram os sofrimentos interiores de uma vida dura, num lugar, onde a visão não é tão bela e a sobrevivência é difícil — uma terra seca, onde as flores nascem e perecem sem ternura.
Essa breve análise nos leva a obra de Hall, porque nos apresenta os resquícios da globalização por meio da compressão do espaço-tempo, visto que a obra dialógica com um movimento que está muito além das fronteiras temporais e espaciais do centro histórico de São Paulo.
A vasta presença de estrangeiros dentro do Ouvidor também tem conexão com o conceito de globalização, colocado por Hall: já que as distâncias entre os lugares diminuem, é comum atualmente ver estrangeiros em todos os lugares, se adaptando ao modo de viver das outras pessoas, a outra língua, a outra cultura, etc.
1.2. Surrealismo: O obscuro mundo do inconsciente
| Obra exposta de Felipe Xianca. |
Outra influência de fronteiras longínquas no Ouvidor, foi uma pintura de um ser humano, todo verde, composto galhos e plantas olhando sua própria face negra no espelho. Pode-se observar, nesta obra, os traços do surrealismo, um movimento que segundo José Nícola, orienta-se ”pela sondagem do mundo interior, em busca do homem primitivo, da liberação do inconsciente (DE NÍCOLA, 1998, p.17)”.
Nesta obra, infere-se um ser humano em seu aspecto biológico ou natural, representado pelo verde da natureza, enxergando sua face obscura no espelho – o mistério do inconsciente que governa o consciente e transparece a face – algo que transcende o biológico ou material.
Essa ideia faz consonância com um conceito de Hall, especificamente, o descentramento do sujeito, ou seja, o deslocamento de uma identidade centrada para uma identidade fragmentada. Para o autor, a psicanálise de Freud contribuiu para esse fenômeno, pois descobriu o inconsciente e nos revelou que existem fenômenos nessa instância que trabalham numa lógica diferente da racional.
Assim, a influência dessa ideia está expressa na obra do autor, revelando uma identidade desarraigada de um sujeito unificado e objetivado pelas instância do racionalismo iluminista.
1.3. Arte pós-moderna: A desconstrução da forma
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"A estética pós-moderna caracteriza-se pela desconstrução da forma. No romance, no cinema, no teatro não há mais uma história a ser contada ou um personagem fixo. As coisas vão aparecendo sem ligações causais. Caracteriza-se ainda pelo pastiche e ecletismo que permitem juntarem-se as coisas mais variadas e até mesmo antagônicas na mesma obra. [...] Não existe um estilo único, tudo vele dentro do pós-tudo (ARANHA, 2009, p.448)."
Sendo assim, essa pintura sinaliza o conceito de homem pós-moderno de Hall. A ideia do ser composto por uma variedade de identidades, consequentemente, um sujeito fragmentado ou diluído no devir do “pós-tudo”. É exatamente essa subjetividade que está representada na obra – a dispersão do “pós-tudo”, o fragmentação e o descentramento do sujeito unificado expresso em vias de traços sem relações causais.
Além desses aspectos da teoria de Hall, pode-se fazer uma conexão entre as três obras apresentadas e o artigo: “Cultura Popular: as construções de um conceito na produção historiográfica”, de Petrônio Domingues. Neste artigo, o autor aborda diversas questões relacionadas às diferentes concepções de cultura ao longo do tempo por diversos autores:
Assistiu-se, então, a um amplo (e polêmico) debate, com os autores muitas vezes tomando posições díspares. Na visão tradicional, cultura popular consiste em todos os valores materiais e simbólicos (música, dança, festas, literatura, arte, moda, culinária, religião, lendas, superstições etc) produzidos pelos extratos inferiores, pelas camadas iletradas e mais baixas da sociedade, ao passo que cultura erudita (ou de elite) é aquela produzida pelos extratos superiores ou pelas camadas letradas, cultas e dotadas de saber ilustrado. No entanto, esta divisão rigorosa não se confirma empiricamente, pelo menos é o que as pesquisas no terreno da história cultural, antropologia, sociologia e teoria literária vêm demonstrando ultimamente (DOMINGUES, 2011, p. 403)
As obras apresentadas, tendo em visa a concepção exposta, fazem conexão entre a cultura popular e a cultura erudita. Observam-se nas análises apresentadas, movimentos artísticos e pressupostos filosóficos que se fundiram as identidades do Ouvidor por meio da compressão do espaço-tempo e, por isso, proporcionou um cruzamento entre “erudito” e o “popular”, concebendo fios dialógicos que resinificaram cada ideia ao seu contexto de produção e, consequentemente, retratam algumas das subjetividades ou identidades da grande metrópole paulistana.
1.4. Ouvidor: Resistência e heroísmo
Continuando nossa análise, mas agora numa perspectiva macro, isto é, uma observação do espaço como um todo, na imagem abaixo, pode-se identificar a fachada da ocupação artística.
Os ateliês visitados são compostos por diversos tipos de arte e artistas diferentes nacionalidades. Os 13 andares do prédio da Rua do Ouvidor no centro histórico da cidade de São Paulo é um sólido exemplo de como os conceitos de cultura popular e erudita não só interagem, mas também convergem em diversos aspectos.
Assistiu-se, então, a um amplo (e polêmico) debate, com os autores muitas vezes tomando posições díspares. Na visão tradicional, cultura popular consiste em todos os valores materiais e simbólicos (música, dança, festas, literatura, arte, moda, culinária, religião, lendas, superstições etc) produzidos pelos extratos inferiores, pelas camadas iletradas e mais baixas da sociedade, ao passo que cultura erudita (ou de elite) é aquela produzida pelos extratos superiores ou pelas camadas letradas, cultas e dotadas de saber ilustrado. No entanto, esta divisão rigorosa não se confirma empiricamente, pelo menos é o que as pesquisas no terreno da história cultural, antropologia, sociologia e teoria literária vêm demonstrando ultimamente (DOMINGUES, 2011, p. 403)
"Entende-se que os conceitos de cultura popular e erudita, conforme apresentado, são, na verdade, mais complexos e dinâmicos do que se costumava pensar. Logo, um dos pontos centrais desse texto é a ideia de desfazer as abordagens que separam a “cultura popular e erudita em compartimentos estanques” (DOMINGUES, 2011).
As obras apresentadas, tendo em visa a concepção exposta, fazem conexão entre a cultura popular e a cultura erudita. Observam-se nas análises apresentadas, movimentos artísticos e pressupostos filosóficos que se fundiram as identidades do Ouvidor por meio da compressão do espaço-tempo e, por isso, proporcionou um cruzamento entre “erudito” e o “popular”, concebendo fios dialógicos que resinificaram cada ideia ao seu contexto de produção e, consequentemente, retratam algumas das subjetividades ou identidades da grande metrópole paulistana.
1.4. Ouvidor: Resistência e heroísmo
Continuando nossa análise, mas agora numa perspectiva macro, isto é, uma observação do espaço como um todo, na imagem abaixo, pode-se identificar a fachada da ocupação artística.
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| Faixada do prédio Ouvidor 63. |
Os ateliês visitados são compostos por diversos tipos de arte e artistas diferentes nacionalidades. Os 13 andares do prédio da Rua do Ouvidor no centro histórico da cidade de São Paulo é um sólido exemplo de como os conceitos de cultura popular e erudita não só interagem, mas também convergem em diversos aspectos.
Artes e culturas ditas populares como a xilogravura, a arte circense e o cordel convivem no mesmo espaço que artes e culturas ditas maiores como o teatro e a pintura, de forma que a interação entre os artistas e moradores seja uma ampla aprendizagem constante sobre arte e cultura como um todo indissociável e que se encontram em conteúdo no âmbito da marginalização social.
Segundo Domingues:
Outra problemática trazida por Domingues é a da separação radical de cultura erudita como produção e cultura popular como consumo. Segundo ele, aceitar essa relação “leva a pensar que as ideias ou as formas têm vida autossuficiente, totalmente independente de sua apropriação para um grupo de sujeitos (DOMINGUES, 20110)”.
Outro dado colhido que reforça a ideia aqui defendida foi esse quadro acima. Observa-se a inscrição “seja marginal, seja herói” como referência à obra de Hélio Oiticica em um quadro de proposições acerca da postura dos moradores da ocupação artística. A citação revela que apesar de muitas vezes as formas e conteúdos da arte e da cultura, como um todo, serem pautados de forma elitizada e erudita, ocorre uma ressignificação que através das identidades dos sujeitos transforma essa arte tanto em nível de produção quanto no consumo. É o que Domingues explicita no seguinte excerto:
Em uma das obras podemos perceber, por exemplo, uma evidente referência ao impressionismo francês que, apesar de ser do movimento modernista, representa bem como essa arte mais tradicional é ressignificada pelos artistas da ocupação, ou seja, há uma utilização das técnicas e das formas típicas do impressionismo, porém é retratado de forme que represente a realidade do artista.
Segundo Domingues:
"O que se qualifica de “erudito” e o “popular” está em permanente processo de ajustes, desajustes, reajustes, em suma, em movimento. Assim, tornar indissociável a divisão entre eles é anular os postulados metodológicos que procuram conferir um tratamento contrastado de um e de outro domínio (DOMINGUES, 2011, p. 404)."
Outra problemática trazida por Domingues é a da separação radical de cultura erudita como produção e cultura popular como consumo. Segundo ele, aceitar essa relação “leva a pensar que as ideias ou as formas têm vida autossuficiente, totalmente independente de sua apropriação para um grupo de sujeitos (DOMINGUES, 20110)”.
| Quadro que retratava o modo como os moradores deveriam se comportar. |
Outro dado colhido que reforça a ideia aqui defendida foi esse quadro acima. Observa-se a inscrição “seja marginal, seja herói” como referência à obra de Hélio Oiticica em um quadro de proposições acerca da postura dos moradores da ocupação artística. A citação revela que apesar de muitas vezes as formas e conteúdos da arte e da cultura, como um todo, serem pautados de forma elitizada e erudita, ocorre uma ressignificação que através das identidades dos sujeitos transforma essa arte tanto em nível de produção quanto no consumo. É o que Domingues explicita no seguinte excerto:
"Se o consumo cultural pode ser qualificado, no limite, de uma “outra produção”, a leitura de um texto pode transcender à passividade que tradicionalmente lhe é atribuída. Ler, olhar, escutar são, efetivamente, exercícios intelectuais que, em vez de moldar linearmente o consumidor (popular) à mensagem ideológica (erudita), permitem uma aproximação, reaproximação, distanciamento ou, simplesmente, resistência. (DOMINGUES, 2011, p. 408)."
Em uma das obras podemos perceber, por exemplo, uma evidente referência ao impressionismo francês que, apesar de ser do movimento modernista, representa bem como essa arte mais tradicional é ressignificada pelos artistas da ocupação, ou seja, há uma utilização das técnicas e das formas típicas do impressionismo, porém é retratado de forme que represente a realidade do artista.
Portanto, os 13 andares do prédio da Rua do Ouvidor são, na verdade, uma manifestação singular da constante tradução do tradicionalismo de uma cultura erudita em um contexto marginalizado trazido pela vivencia dos artistas, sendo a fundo uma forma de resistência e heroísmo.
Referências:
ARANHA. Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
De NÍCOLA José. Língua, Literatura & Redação. São Paulo: Scipione, 1998.
DOMINGUES. Petrônio. Cultura popularas construções de um conceito na produção historiográfica. Revista História (São Paulo), ago. 2011.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade Stuart Hall; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro-11. ed. -Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
[1] De NÍCOLA José. Língua, Literatura & Redação. São Paulo: Scipione, 1998.
[2][2] ARANHA. Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
Referências:
ARANHA. Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
De NÍCOLA José. Língua, Literatura & Redação. São Paulo: Scipione, 1998.
DOMINGUES. Petrônio. Cultura popularas construções de um conceito na produção historiográfica. Revista História (São Paulo), ago. 2011.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade Stuart Hall; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro-11. ed. -Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
[1] De NÍCOLA José. Língua, Literatura & Redação. São Paulo: Scipione, 1998.
[2][2] ARANHA. Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.



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